Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente,
e a pele translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas,
sou uma estrutura agrandada pelos anos e
o peso dos fardos bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria,
busca te agrada quando antigamente quereria apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza e juventude agora:
esses dourados anos me ensinaram a amar melhor,
com mais paciência e não menos ardor, a entender-te se precisas,
a aguardar-te quando vais, a dar-te regaço de amante e colo de amiga, e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável cujas marés
— mesmo se fogem —
retornam, cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
(Texto extraído do livro "Secreta Mirada")