Estamos há quase quatro meses mergulhados numa pandemia que mudou nossos hábitos, nos impôs restrições, nos distanciou fisicamente e nos colocou frente a frente com nossas fragilidades. Vai ficar por isso mesmo?
Quando iniciou, parecia apenas uma onda gigante e repentina.
Se soubéssemos nos manter à tona, boiando sobre ela, obedientes e respeitosos diante do seu tamanho, nada de muito ruim iria nos acontecer e logo reencontraríamos a calmaria.
É o que vem acontecendo nos países europeus, que estão retomando as atividades cotidianas, dando um passo de cada vez. O Brasil, caótico por natureza, vai levar mais tempo, nenhuma novidade. Três, seis, dez meses? Quando teremos nossa vida de volta?
Talvez nunca, não como era antes. É provável que tenhamos que assimilar que a nossa atual precariedade determinará novos modelos de conduta daqui para frente.
Lavar as mãos, usar máscara e evitar aglomerações: já estamos nos acostumando. Poderíamos nos acostumar agora com o desprestígio da ostentação e do consumismo delirante. Continuaremos comprando comida, roupas e remédios, precisaremos de um bom teto como sempre precisamos, mas nossos luxos talvez mudem – tomara que mudem.
Hora de privilegiar as questões humanas, se soubermos aproveitar a oportunidade.
Não chego a falar de um renascimento espiritual, que soaria pomposo, mas acredito, sim, que a tendência é reavaliarmos nosso estilo de vida. As grandes metrópoles se tornaram zonas de contágio, e um êxodo urbano não seria má ideia: sair em busca de desintoxicação, mais atividades ao ar livre, cidades menores, menos concentração populacional.
A arte também se beneficiará desta pandemia. Não só por sua valorização evidente (o que teria sido de nós sem livros, música e filmes nesse longo confinamento?), mas também pelo surgimento de talentos até então desconhecidos: as pessoas foram obrigadas a descobrir em si algum dom - artes manuais, gastronomia, desenho digital, colagens, fotografia, vá saber quantos outros. A expressão artística poderá ser nossa grande contribuição à humanidade: não voltaremos a ser apenas consumidores de cultura, mas fornecedores também.
Não é se apegando a símbolos de status que prestaremos homenagem à nossa sobrevivência, e sim expandindo nossa criatividade, encontrando os amigos, bebendo e comendo com eles, namorando, celebrando as sensações, não as aquisições. Utilidades práticas seguirão bem-vindas, mas as utilidades emocionais é que definirão nosso bem-estar: meditação para dormir melhor, leitura para mais autoconhecimento, empatia para reduzir desigualdades.
Já que esta crise é inevitável, que a gente ao menos transforme nosso espanto em sabedoria.