Nem todo cinza de São Paulo é triste. A cidade foi o caldeirão de uma das escolas mais importantes da arquitetura brasileira, a brutalista. Com nomes fortes como Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas, o movimento buscou a poesia dura do concreto. Mas o maior expoente do brutalismo paulista acaba de entrar também para o seletíssimo grupo de um dos maiores arquitetos do mundo. Na semana passada, Paulo Mendes da Rocha recebeu a medalha de ouro do Royal Institute of British Architects, honraria que receberam também Le Corbusier e Frank Lloyd Wright. Esse prêmio só vem a se somar a tantos outros como o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, o Praemium Imperiale japonês e o Prêmio Pritzker, considerado o Oscar da arquitetura.
Mas diferentemente de seus colegas premiados, Paulo Mendes foge dos holofotes e do modus operandi dos starchitects. Trabalha até hoje (tem 88 anos) quase sozinho em seu pequeno escritório no prédio do IAB, no Centro. De lá, há mais de 60 anos saem algumas das criações mais emblemáticas da nossa cidade, e que continuam de pé, como registro da beleza que só São Paulo sabe encontrar no concreto. Para quem não conhece o trabalho desse grande mestre, montei um roteiro com algumas das obras mais importantes. Muitas dá para visitar por dentro, mas algumas não tem jeito, só dá para admirar da rua mesmo.
Seu primeiro projeto a ganhar a atenção internacional, o enorme ginásio se apoia levemente sobre 6 finas lâminas triangulares dando a impressão que um disco voador de concreto pousou em pleno verde dos Jardins. Infelizmente, com o tempo, o ginásio recebeu paredes que vedam justamente o vão que ligava o espaço externo às arquibancadas.
Endereço: Rua Honduras, 1400 – Jardim América
Entrada: apenas para sócios e convidados
Um prédio inteiro feito de concreto, espremido entre os muitos do bairro, mas que se destaca na paisagem por seu material incomum e sua fachada trabalhada com brises curvos e floreiras. São 13 andares com os mesmo elementos arquitetônicos, fazendo do Edifício Guaimbê um dos mais interessantes dos Jardins.
Edifício Guaimbê (1962)
Endereço: Rua Haddock Lobo, 1447 – Cerqueira César
Entrada: apenas para moradores
Vizinho calmo do agitado MIS, é impossível passar pelo Museu Brasileiro da Escultura e não ser atraído pela impressionante viga de concreto protendido com mais de 60m de comprimento que flutua sobre a calçada. A genialidade do projeto está justamente em jogar todos os equipamentos do museu para o subsolo, e tratar o terreno como um grande jardim de esculturas, convidando o visitante ao passeio e à contemplação mesmo antes de entrar.
Endereço: Av. Europa, 218 – Jardim Europa
Entrada: terça a domingo, das 10h30 às 18h.
4. Remodelação da Praça do Patriarca
Cheia de controvérsia, essa grande asa metálica branca pousa tranquilamente sobre a Praça do Patriarca, e protege a entrada da Galeria Prestes Maia, que tem obras de arte do MASP. A favor do projeto pesa o fato de o trânsito (principalmente de ônibus) ter sido tirado da praça, que voltou a ter vida. Contra estão os defensores do Patrimônio Histórico de São Paulo, já que o pórtico cobre parcialmente a fachada da Igreja de Santo Antônio, a mais antiga da cidade, do século XVI.
Endereço: Praça do Patriarca, no fim do Viaduto do Chá
Entrada: Livre
O projeto dessa casa foi desenvolvido para a família de um engenheiro, e trouxe uma grande inovação no sistema construtivo para a época. Ela foi toda construída em estrutura de concreto pré-moldado, sistema usado até então só para construções populares e grandes obras públicas. O resultado é uma casa inteira suspensa, com o vão do térreo de mais de 15m totalmente livre, utilizado apenas para garagem e espaço de lazer. Os únicos pontos de contato com o chão são os pilares delgados e a escada de acesso.
Endereço: Rua Dr. Carlos Norberto de Souza Aranha, 409 – Alto de Pinheiros
Quando recebeu o projeto de remodelação do térreo da FIESP, Paulo Mendes prontamente foi até o escritório Rino Levi Associados (autor do projeto do prédio) para discutir suas ideias e ter certeza que não descaracterizaria o original. Sua proposta foi super bem aceita, e só então ele prosseguiu. O resultado final ocupou o vão livre com o Centro Cultural FIESP Ruth Cardoso, integrado à recepção, acesso aos elevadores e ao passeio público. O projeto ainda permitiu a permeabilidade da quadra, ligando a Av. Paulista à Alameda Santos.
Endereço: Av. Paulista, 1313 – Cerqueira Cesar
Entrada: de quarta a sábado, das 13h às 21h / domingo, das 10h às 19h30
7. Casa do arquiteto
Antes de projetar a casa Gerassi, Paulo Mendes tinha feito de sua própria casa, no Butantã, um grande estudo de racionalização da arquitetura. Estrutura simples, com apenas 4 pilares e 2 vigas mestras para sustentar toda a construção, janelas modulares que se espalham por todas as fachadas, o mobiliário integrado à arquitetura, o uso intenso de iluminação natural. Isso tudo mantendo foco em atender suas necessidades mais pessoais, em contraposição com a industrialização do Estilo Internacional dos modernistas.
Endereço: Praça Monteiro Lobato x Rua Eng. João Cintra – Butantã
Nesse projeto desenvolvido em duas fases, junto com o escritório Piratininga Arquitetos Associados, três casinhas geminadas no fundo de uma vila foram integradas para formar um grande espaço expositivo interno e outro externo. A maioria das aberturas foram fechadas, priorizando ao máximo a iluminação artificial e as superfícies brancas na parte de dentro. Isso ofereceu uma grande flexibilidade para a Galeria Vermelho, que promove os mais diferentes tipos de exposição.
Endereço: Rua Minas Gerais, 350
Entrada: de terça a sexta, das 10h às 19h / sábado, das 11h às 17h.
A Estação da Luz é um dos edifícios de maior importância histórica e arquitetônica para a cidade, mas com o crescimento de São Paulo, seu uso acabou restrito. Assim, Paulo Mendes teve o desafio de adequar os muitos espaços de uso administrativo abandonados em um museu quase totalmente interativo, sem acervo, e ainda manter a livre circulação dos passageiros do sistema de trens metropolitanos. A solução apresentada formou um pórtico cultural sobre o saguão da estação. Lamentavelmente, um incêndio em 2015 consumiu boa parte dos espaços do museu, que se encontra em reforma, mas sem data para reinaugurar.
Endereço: Estação da Luz – Luz
Entrada: fechado para reformas
Outro prédio que chama a atenção da paisagem de São Paulo é o Edifício Jaraguá. Apesar de ficar no fim de uma rua tranquila, suas fachadas de vidro e concreto se destacam no skyline de quem passa ao longe, desde das marginais. O projeto bem racional forma um bloco que intercala as lajes e os panos de janelas, que só são interrompidos de um lado por um rasgo usado como área técnica, e do outro por um interessante desnível que rebaixa uma pequena área dos 8 apartamentos do prédio.
Endereço: Rua Herculano, 420 – Pompéia
Entrada: apenas para moradores
A marca australiana de cosméticos Aesop chegou recentemente ao Brasil, e para sua primeira loja no país chamou Paulo Mendes, junto com o escritório Metro Arquitetos Associados. As lojas da marca são deslumbrantes em todo o mundo, e por aqui não poderia ser diferente. A unidade de São Paulo se aproveitou da fachada dupla, para a rua e para uma galeria, para manter a fluidez e a transparência, marcados no vão central por uma bancada de concreto que contrapõe o peso do material com suas formas orgânicas.
Endereço: Rua Oscar Freire, 540 – Cerqueira Cesar
Entrada: de segunda a sexta, das 10h às 20h / sábado, das 10h às 18h / domingo, das 12h às 18h
A ideia inicial da Prodesp era construir o novo Poupatempo em Itaquera em um terreno isolado. Mas Paulo Mendes foi categórico: queria que o prédio fosse diretamente vinculado à estação intermodal do bairro, para facilitar o acesso aos mais de 200 mil passageiros diários do sistema. Dito e feito. O projeto (feito em parceria com o escritório MMBB) com mais de 300m de comprimento só pode ser acessado por uma passarela que o liga à estação, já que ele fica elevado do solo por pilotis. Hoje tem capacidade para atender até 12 mil pessoas em um único dia.
Endereço: Av. do Contorno, 60 – Itaquera
Entrada: de segunda a sexta, das 7h às 19h / sábado, das 7h às 13h.
13. Pinacoteca do Estado
O mais conhecido projeto do mestre paulistano é com certeza a reforma da Pinacoteca do Estado. O projeto original, de Ramos de Azevedo, foi feito para abrigar o Liceu de Artes de Ofício, ainda no século 19. Com o tempo, foi mudando de uso, e sofrendo as mais diferentes e absurdas reformas. Só nos anos 90, finalmente, o prédio foi requalificado para abrigar o importante acervo e as exposições temporárias da Pinacoteca do Estado de São Paulo. O grande trunfo do projeto foi a inversão da implantação, trazendo a entrada para a rua lateral, tirando-a da movimentada Av. Tiradentes. Isso só foi possível com a reorganização da circulação através das passarelas que cruzam os vãos centrais elegantemente, sem interferir na arquitetura original.
Endereço: Praça da Luz, 2 – Luz
Entrada: de quarta a segunda, das 10h às 17h30.