Entrei no taxi, o motorista perguntou aonde íamos, comecei a explicar como alcançaríamos o meu endereço, fui interrompida peremptoriamente.
- Não precisa me dizer nada, quero só o nome da rua e o número.
Depois de alguns minutos, com manifesto orgulho na voz, acrescentou.
- Tenho Wave!
Pausa exultante.
- O Wave me mostra o melhor caminho, evita engarrafamentos, problemas de trânsito, tudo.
Pausa.
- Não vivo mais sem ele!
Parecia um anúncio do aplicativo.
Seguimos pelas ruas indicadas na telinha. Estavam, de fato, desimpedidas. Assim mesmo, tivemos que parar em um sinal - Wave não tem como evitar sinais fechados, mas suspeito que breve chegaremos a isso.
Entre os carros parados, um ambulante oferecia uma pequena engenhoca, um brinquedo. Uma baleia de plástico azul apoiada numa espécie de empunhadura com um gatilho. Era apertar o gatilho, e liberar um enxame de minúsculas bolas de sabão. Digo sabão, mas é possível que fosse outro produto.
Um fato ligou-se ao outro.
Concordo, é cômodo evitar engarrafamentos. Sobretudo para quem passa o dia inteiro ao volante. Mas deixar-se guiar como cego implica algumas perdas. E podem ser importantes.
Havia um orgulho outro nos antigos taxistas. Não era por algo comprado, mas por conhecimento adquirido. Palmo a palmo, de uma rua a outra, de um a outro endereço, o mapa da cidade ia se imprimindo progressivamente na memória, até completar-se, indelével. Era uma espécie de mestrado da profissão. Ou um certificado oculto de posse. Um bem. E uma fruição.
Tive algo próximo dessa sensação ao fazer meu exame de motorista. Naquele tempo longínquo, era quesito obrigatório saber as mãos das principais ruas da cidade. Uma cidade menor, é bom dizer, mas ainda assim, grandíssima e cheia de ruas principais. Decorava-se um livro inteiro. Era isso, ou não ter direito de dirigir. Decorei, passei no exame, e durante uma semana ou pouco mais - o tempo de esquecer - me senti poderosa proprietária do labirinto urbano.
O taxista do Wave está feliz. Dirige com um olho colado no carro da frente ou erguido às vezes para ver os sinais, e o outro preso na telinha-guia. Vai assim de um bairro a outro, sem que nada lhe seja exigido, nem sua esperteza, nem seu conhecimento, nem sua experiência. Tem que saber apenas trocar marchas - se não tiver carro hidramático- acelerar e frear. Nada além daquilo que qualquer motorista principiante sabe fazer. Sua inteligência deixou de ser necessária.
As bolinhas de sabão também comportam uma perda. Não pequena. São graciosas, sem dúvida, mas por quanto tempo conseguem manter o interesse de uma criança, se saem prontas e tudo o que se tem que fazer é apertar um gatilho? Soprei muita bola de sabão na infância, sabão mesmo. Era coisa de grande concentração. Havia que soprar devagar, para prolongar o encantamento de dar-lhe vida e para que não estourasse logo. Depois, soltá-la com uma mínima sacudida do canudinho ou do círculo e vê-la flutuar aérea e livre, até romper-se contra o primeiro obstáculo. Não era brincadeira para se fazer sozinho, e sim com outros, quando ao prazer estético e mágico se acrescentava a disputa pela bola maior, pela maior permanência no ar. Nenhuma criatividade, nenhuma habilidade são necessárias para manejar a baleia azul. Quando muito, será usada como arma de super herói, lançando bolinhas no olho do outro, na esperança de que arda.