quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Instalação de guarda-chuvas coloridos no RJ desafia a intolerância

A obra de arte criada pelo coletivo Opavivará! faz referência à comunidade LGBTQIA+ e à liberdade.


A instalação do Opavivará foi primeiro exposta em Dubai e, mais tarde, no mesmo ano, no Rio de Janeiro 

O coletivo de arte carioca Opavivará! quebrou barreiras ao criar a instalação "SOLAROCA". Composta por guarda-chuvas multicoloridos, que se estruturam em uma espécie de cúpula, a obra saúda a comunidade LGBTQIA+ e tem como intenção ser "uma bomba arco-íris em um deserto bege; flores da diversidade desabrochando no solo seco do totalitarismo e da intolerância."

A estrutura se desenvolve de forma geodésica e com conceito envolvente, sendo convidativa ao descanso do público e, como o Opavivará! descreve, ao "diálogo intercultural". A interculturalidade, na verdade, é o grande motivo por trás de sua criação. Em 2019, a Art Dubai convidou o coletivo para expor um trabalho relacional no coração da feira, a Fort Island. Os artistas então pensaram em ocupar o espaço público de uma maneira ousada – assim surgiu a "SOLAROCA".


A intenção da obra era ser um espaço de descanso e repouso para os transeuntes das feiras de arte (Foto: Juan Dias / Reprodução)

"Pensamos nas relações entre a praia e o deserto e a demanda desses ambientes por abrigos que possam oferecer sombra. Tanto as ocas dos povos originários do Brasil quanto as tendas do povos Tuaregues do Deserto do Saara são estruturas arquitetônicas que remetem à forte organização comunitária dessas culturas, suas dinâmicas nômades e suas capacidades de adaptação ao ambiente", explicou o Opavivará!, que prefere não divulgar o nome de seus membros.

E ousadia é o que não falta. As cores da bandeira LGBTQIA+ desafiam a rigidez com a qual os Emirados Árabes Unidos olham para a questão da diversidade sexual. Com uma legislação ambígua, o país prevê punição para o sexo consensual entre duas pessoas do mesmo gênero. Em Dubai, por exemplo, a pena para o crime é de 14 anos.

Choque cultural
Segundo os artistas, a escolha das oito cores da bandeira LGBTQIA+ foi intencional. Mas, diferente da arte de Gilbert Baker, na oca as cores se distribuem aleatoriamente, produzindo todas as possibilidades combinatórias de contato entre diferentes tons.

"Dubai é uma espécie de Disneylândia contemporânea da extrema direita neoliberal, uma verdadeira fazenda-modelo do totalitarismo emergente, que vem botando suas garras para fora em todo o mundo. Tudo é simulacro de tradição. Na paisagem, o conservadorismo da oligarquia dos emires fez erguer uma cidade monótona, que numa relação mimética com o deserto se ergue em tons de areia, entre o branco e o bege. Neste cenário, as cores da SOLAROCA se destacaram automaticamente, como um cogumelo atômico arco-íris. Mesmo não fazendo uma referência tão direta à bandeira, o público rapidamente reconhecia nas cores as ideias de diversidade e liberdade. E teve o babado do príncipe filho do Sheik, que na visita oficial à feira, foi o único espaço que se recusou a entrar. Todos sabem o que acontece quando se atravessa um arco-íris!", contaram os membros do Opavivará!

As cores usadas na instalação foram inspiradas na bandeira de Gilbert Baker (Foto: Juan Dias / Reprodução)

Depois da passagem por Dubai, o coletivo voltou a expor a instalação – desta vez, na ArtRio do Rio de Janeiro. Para a remontagem, contou com a parceria do escritório de arquitetura e de design Bambutec, que compartilha dessa forma de ocupar espaços públicos. O grupo ajudou, assim, a tropicalizar a obra e construir uma estrutura que privilegiasse o uso dos materiais naturais, tornando-a apropriada para as condições físicas e climáticas do litoral brasileiro.

Com uma estrutura de bambu, vigas e cabos de poliéster, a instalação conseguiu sobreviver aos ventos da Marina da Glória, no RJ. (Foto: Juan Dias / Reprodução)

"Nossas inspirações para o projeto e detalhamento foram as ocas indígenas, que utilizam materiais vegetais biodegradáveis da estrutura ao teto e, até os dias de hoje, são construções profundamente atuais e adaptadas ao clima tropical brasileiro, verdadeiras obras de arte. Além disso, inspiramo-nos nas estruturas geodésicas de Buckminster Fuller e nas pesquisas conduzidas pelo professor José Luiz Ripper da PUC-Rio, nosso mestre de formação e um dos pioneiros na pesquisa do bambu como material de engenharia no Brasil", contou Mario Seixas, diretor e co-fundador da Bambutec.

Super leve e segura
O bambu foi escolhido como material de construção. Com um sistema de conexões que emprega vigas recíprocas unidas por cabos têxteis de poliéster, foi possível formar um design de estrutura leve e liberar as vigas de bambu de forças de torção, tornando a estrutura mais resistente e durável. Além disso, o ambiente interno se tornou arejado e fresco, com 10 entradas abertas ao público e uma saída de ar quente no cume. Da forma que foi estruturada, a instalação de 10 metros de diâmetro se provou ultraleve e resistente. Isso garantiu que a "SOLAROCA" recebesse ventos de mais de 90 km/h na Marina da Glória permanecendo intacta.

Como feiras de arte em geral são eventos intensivos, com grande trânsito de pessoas e informações, podem acabar se tornando um evento estressante. Nesse sentido, a "SOLAROCA" se configurou como um espaço de respiro e abrigo para os olhos, corpo e mente. "Nas duas montagens, tivemos uma recepção muito positiva e participativa, e o público rapidamente se apropriou do espaço dando vida à proposta", contou o coletivo.