segunda-feira, 2 de março de 2020

Por que arquitetos são tão obcecados pela obra de Mondrian?




Na década de 1920, o artista holandês Piet Mondrian começou a pintar seus icônicos quadros com grids pretos e cores primárias. Extrapolando os limites das referências recorrentes no mundo da arte, propôs uma linguagem simples composta de linhas e retângulos coloridos que tornou-se conhecida como Neo Plasticismo, o qual explorava a dinâmica do movimento através da cor e das formas. Este conjunto de telas pintadas em vermelho, amarelo e azul, configuram um dos principais elementos do movimento De Stijl do início do Século XX. Quase um século depois, as abstrações de Mondrian seguem inspirando arquitetos ao redor do mundo.
O que há por trás desta simplicidade que seque cativando artistas, 
designers e arquitetos depois de tanto tempo?



Indiscutivelmente, a primeira transposição para à arquitetura dos princípios explorados por Mondrian na pintura, deu-se na forma de uma modesta casa de dois pavimentos - o primeiro projeto construído de Gerrit Rietveld - concebido para a viúva Truus Schröder e seus três filhos na cidade de Utrecht, na Holanda. Construída entre 1923 e 1924, o projeto da Casa Schröder adaptou os planos vibrantes de cor e os grids das telas de Mondrian para uma série de perfis metálicos pintados de vermelho, azul e amarelo que compões os elementos construtivos da casa, enquadrando os planos das lajes e paredes que se deslocam criando uma sensação de movimento contínuo através de sua arquitetura. As paredes não estruturais se organizam de forma livre pelo espaço interno, permitindo uma completa flexibilidade espacial.



Em 1926, o pintor e arquiteto Theo van Doesburg - contemporâneo de Mondrian e Rietveld - foi contratado para projetar o Café L’Aubette. Ele concebeu os espaços interiores do café como uma pintura tridimensional do De Stijl - um grid inclinado à 45 graus que se espalha pelas paredes e pelo forro do salão “Ciné-Dancing” preenchendo seus espaços com tons vibrantes de vermelho, amarelo, azul e verde. Mies van der Rohe, completamente deslumbrado pela Composition in Colour A de 1917, concebeu os amplos planos de vidro, mármore, travertino e aço que definiram um dos mais icônicos projetos de arquitetura de todos os tempos, o Pavilhão de Barcelona.

O interesse arquitetônico na obra de Mondrian diminuiu consideravelmente nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, até que a onda do consumismo do pós-guerra impulsionasse novamente a produção de bens de consumo. George Nelson foi o criador de um dos mais influentes projetos de mobiliário do século XX, o StorageWall de 1945. Posteriormente, Charlotte Perriand, Jean Prouvé e Sonia Delaunay eternizaram os princípios neo-plasticistas de Mondrian em sua estante de livros projetada em 1952.



Durante o movimento de Arte & Arquitetura americano de meados do século XX, o qual ficou conhecido como Case Study Houses, a dupla de arquitetos e designers Charles e Ray Eames transformou os grids de Mondrian em estruturas pré-fabricadasde aço para revestir os dois volumes de sua Case Study House # 8 construída em 1949. O protótipo de uma estrutura pré-fabricada surgiu como resposta ao boom imobiliário do pós guerra, transpondo as telas abstratas de Mondrian para a produção em massa de uma arquitetura doméstica industrializada. De modo similar, as mesmas cores primárias foram utilizadas por Le Corbusier, acentuando as formas brutalistas da Unidade de Habitação de Marselha, projetada em 1952, as quais eventualmente voltaram a aparecer no Pavilhão Le Corbusier quase 15 anos depois. Os icônicos personagens da modernidade que tiveram sua obra moldada pela influencia neo-plasticista não param por ai, até mesmo o estilista Yves Saint Laurent adaptou as formas de Mondrian em um de seus vestidos mais famosos durante o ano de 1965.



A influência permanente de Mondrian na arquitetura segue presente hoje em dia - do Mondrian Hotel em LA, passando pelo Mondrian Residences em Muntinlupa, nas Filipinas, até a nova pintura da Prefeitura de Haia, projetada em 1955 por Richard Meier, realizada em 2017 para celebrar o centenário do De Stijl.

Seja empregado em novas técnicas de fabricação ou como princípio estrutural, a linguagem abstrata de Mondrian fascinou e segue inspirando os arquitetos na exploração de novas tipologias. A visão do artista para a plasticidade do mundo construído nos permitiu questionar a então ideia reducionista da produção massiva de arquitetura, considerando-a como um espaço dinâmico à serviço das formas e ritmos essenciais à vida humana