"Meu bem, façamos de conta
de sofrer e de olvidar,
de lembrar e de fruir,
do escolher nossas lembranças
e revertê-las, acaso
se lembrem demais em nós.
Façamos, meu bem, de conta
- mas a conta não existe -
que é tudo como se fosse,
ou que, se fora, não era.
Meu bem, usemos palavras.
Façamos mundos: ideias.
Deixemos o mundo aos outros,
já que o querem gastar.
Meu bem, sejamos fortíssimos
- mas a força não existe -
e na mais pura mentira
do mundo que se desmente,
recortemos nossa imagem,
mais ilusória que tudo,
pois haverá maior falso
que imaginar-se alguém vivo,
como se um sonho pudesse
dar-nos o gosto do sonho?
Mas o sonho não existe.
Meu bem, assim acordados,
assim lúcidos, severos,
ou assim abandonados,
deixando-nos à deriva
levar na palma do tempo
- mas o tempo não existe -,
sejamos como se fôramos
num mundo que fosse: o Mundo."