Todo mundo tem segredos. Ou pelos menos as pessoas interessantes.
Nada mais chato que alguém mapeado, retilíneo, constante, bonzinho, doce, amável. Para mim, só vale a pena quem tem um cadáver no armário, uma sombra perigosa,
um poço fundo. Pessoas simplórias são como muitos dias de sol seguidos:
agradáveis e infinitamente entediantes.
É a falta de obviedade desperta a curiosidade.
Não é à toa que os mitos nascem da dualidade,
da pouca incidência de clareza sobre sua personalidade:
ninguém fica embasbacado pela simplicidade do seu Zé da quitanda
(no máximo, enternecido). Somos fascinados pelo que não entendemos,
amamos o desconhecido - por isso mergulha-se à noite, escala-se o Himalaia,
come-se fora de casa, trai-se.
É só quando ultrapassamos a barreira do familiar, do seguro,
que nos tornamos verdadeiramente pessoas. Menos ingênuas, é certo, mas completas.
Ter segredos é viver intensamente,
é a prova de que a realidade é muito mais do que nossos forçados sorrisos de bom dia,
o escritório claustrofóbico, o saldo negativo.
Ter segredos é ter coragem de arcar com o peso de ser único.
Porque quem não se arrisca, não faz besteira, não vive:
apenas gasta o tempo que deveria ser aproveitado apaixonadamente.
Apenas caminha sobre os dias rumo à morte.