Valentim era, como eu, sozinho. Eu tinha sido traída
por uma pessoa, ele pelo destino. Mas, ao contrário de mim, não conseguia
deixar partir de verdade quem se fora. Eu
sabia que era preciso tempo. Cada perda tem sua hora de acabar, cada morto seu
prazo de partir, e não depende muito da vontade da gente. Ele não estava
curado.(…)
Acordo com Valentim ao meu lado. Passo de leve a
mão em seu rosto adormecido, acompanho com o dedo o contorno de sua boca, beijo
seu ombro e me aconchego mais nele: aqui é o meu lugar no mundo. E o dele
também. Do nosso jeito, estamos construindo – mais uma vez – a vida. A dor faz
parte.
(Salvador Dalí - Premonição da guerra civil)